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"Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema." (Torquato Neto)

30 de janeiro de 2015

Diálogos amorosos

- O que você pensa sobre o fato do mundo estar se desfazendo pouco a pouco?
- Oi?
- O mundo...
- Que que tem?
- Se desintegrando...
- Tipo o apocalipse?
- Ah, não. Nada tão glamouroso assim. Penso mais em um processo de longa duração... você sabe, assim como eu e você pouco a pouco deixamos de existir, o mundo também se desmancha com o passar das eras. Primeiro nós, depois nossos costumes, nossa sociedade, o sistema que nos manteve escravos por tantos séculos... lentamente nossa espécie, água, vida, rochas, deteriorando-se e transformando-se apenas na areia do tempo, e depois... depois o tempo, que sem a vida estaciona-se em uma eternidade estéril.
- Cara, você fumou?  
- Não, poxa! Só tô tentando compartilhar com você algumas ideias que tem passado pela minha cabeça esses dias. Você não acha que a nossa relação deve se basear em mais do que intimidade carnal?... e não me chama de cara, eu não sou um dos seus coleguinhas. 
- É sobre isso que você tem escrito a semana inteira? Tô falando, fumou alguma coisa enrolada na página de algum livro de filosofia de banca.
- Livro de filosofia de banca?
- É, cara... quer dizer, amor. Não tem aqueles romances vagabundos de banca? Então, o conceito é mais ou menos o mesmo.
- Mas você não sente falta de ar quando pensa nisso?
- Nos romances de banca?
- Em nós e no mundo, acabando-se pouco a pouco, desfazendo-se que nem costura mal arrematada, e virando... nada.
- Claro que não. A falta de ar que estou sentindo é por conta desse abafamento dos infernos, para todo o resto existe o álcool. Liga aí essa merda de ventilador.
- Para cima ou para baixo?
- Para baixo. Cara, você é estranha, amor...