Puxo
o ar pelo nariz, conscientemente encho os pulmões, solto pela boca. Tento de
novo, mas não consigo manter o ritmo, solto o ar antes que o pulmão esteja
cheio, puxo antes que esteja todo vazio. Confundo os movimentos respiratórios,
qual era o certo mesmo, encher o peito ou o abdômen? Começo a sugar o ar pela
boca como se estivesse bocejando, mas não é sono, é só urgência em suprir a
falta de ar que o exercício, executado errado, me proporciona. Começo a ficar tonta e me
esqueço de como respirar naturalmente. A ansiedade me faz esquecer também como
piscar os olhos e como engolir saliva automaticamente. Passo a controlar os
movimentos: fecho os olhos, abro, puxo o ar, solto, engulo o cuspe.
Ajeito
o telefone no gancho, apago a luz da sala, ainda tonta pela forma desregular
que o ar entra nos meus pulmões, e volto para o quarto. Paro na porta, fecho os
olhos, abro. Puxo o ar, solto. Engulo saliva.
Ele
desvia o olhar do livro e me encara meio debochado, meio irritado:
-
Por que você tem mania disso?
-
Isso o que?
-
Vez ou outra começar essa respiração descoordenada.
-
São exercícios respiratórios, ué. Dizem que relaxa.
Era mentira, mas de que outro modo poderia explicar que havia me esquecido como se respirava? Isso para
não falar na saliva que se acumulava na minha boca e que eu tentava disfarçar,
preparada para engolir discretamente assim que ele voltasse para a leitura.
Ele
dá uma risada que parece mais um sopro de impaciência, como se empurrasse todo
ar com a garganta enquanto mostrava os dentes amarelados de café e cigarros.
-
Não me parece muito relaxante. Na verdade, você me parece até meio roxa. Quem
era no telefone?
Fecho
os olhos, com força, abro. Esqueço de puxar e soltar o ar antes de engolir a
saliva e engasgo.
-
Você sabe...
-
Mas hoje nem é seu aniversário... aconteceu algo?
-
Convite para o almoço de dia dos Pais... Casa dele.
-
Entendo... e nós vamos?
Esqueço
novamente como se respira. Sugo o ar pela boca, como se bocejasse, mas na
verdade só anseio por encher meus pulmões de ar. Esqueço como se pisca e como
se engole a saliva mecanicamente. Fecho os olhos, abro. Puxo o ar com o nariz, com todo o corpo, mas solto antes mesmo de sentir o peito cheio. Parece que me afogo. Engulo cuspe. Engulo de
novo.
-
Posso entregar o cartão de felicitações em branco?