Minhas botas batem nas pedras em mosaico da calçada. Compõem música, a
cada passo ritmado, que ecoa pelas ruas vazias da cidade. Sou uma escultura de
ossos quebradiços, papel e metal enferrujado. Meu cabelo, pele e neblina se
confundem em meio a madrugada, escorrem do passeio ao asfalto em cascatas de
água salgada.
Não pedi que você me acompanhasse ao inferno. No entanto..., no entanto...,
sua sombra cobre meu corpo enquanto caminho pelos becos da cidade. Me pesa os
ombros, peito, pés e pescoço, verga meu corpo em direção à poeira da calçada.
Com as mãos em concha eu bebo a água empoçada, quente, grossa, suja. Se na
chuva ela me cura, colhida da poça me envenena garganta, fígado, alma.
Vejo partículas da minha pele, fios de cabelo, perdendo-se em meio as
rachaduras do passeio e, embora a roupa me cubra, quase, quase não me resta
pele. A boca do tempo me alcança na madrugada, me mastiga, rumina, vomita. E se
na luz do dia me ilumino, eu me desfaço, desintegro, na noite da cidade.