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"Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema." (Torquato Neto)

29 de julho de 2015

Urbana

Minhas botas batem nas pedras em mosaico da calçada. Compõem música, a cada passo ritmado, que ecoa pelas ruas vazias da cidade. Sou uma escultura de ossos quebradiços, papel e metal enferrujado. Meu cabelo, pele e neblina se confundem em meio a madrugada, escorrem do passeio ao asfalto em cascatas de água salgada.
Não pedi que você me acompanhasse ao inferno. No entanto..., no entanto..., sua sombra cobre meu corpo enquanto caminho pelos becos da cidade. Me pesa os ombros, peito, pés e pescoço, verga meu corpo em direção à poeira da calçada. Com as mãos em concha eu bebo a água empoçada, quente, grossa, suja. Se na chuva ela me cura, colhida da poça me envenena garganta, fígado, alma.

Vejo partículas da minha pele, fios de cabelo, perdendo-se em meio as rachaduras do passeio e, embora a roupa me cubra, quase, quase não me resta pele. A boca do tempo me alcança na madrugada, me mastiga, rumina, vomita. E se na luz do dia me ilumino, eu me desfaço, desintegro, na noite da cidade.