Tudo
que era preciso já foi dito de alguma forma. Agora só me restam palavras
velhas, ideias requentadas, letras garimpadas nos antiquários em meio a poeira
e mofo. Ainda assim, abro o baú dourado das palavras com a curiosidade de uma
criança que diz tudo pela primeira vez. Com o espanto de Pandora ao abrir a caixa
misteriosa e descobrir que as letras que eu bordo no caderno, quando unidas,
não se obrigam a fazer sentido, não se importam se venho do lixo, se sou
escória e vomito insetos no lugar de rimas ricas. Ao contrário,
dispersas ou coladas, elas me acompanham aos hospícios, choram no meu
travesseiro e pedem colo, pedem leite. As palavras que me sugam, me drenam a
alma, a vida e o sangue, mas não me cobram uma lógica vã, não se enquadram em teorias,
papel milimetrado e coreografias. Preferem movimentos loucos. Dançam livres, escapam
das folhas e escorrem pelo chão. Gostam de tumulto, sujeira... Desejam a confusão.